Um assunto um pouco polêmico, e talvez de difícil comentário para muitos de nós: a morte. Neste dia passado de finados, onde muitos de nós deixamos de ter esta visão da representação do dia, e passamos e compreende-lo apenas como mais um feriado. Uma visão bonita sobre a morte, e a correlação com a visão do Yoga sobre a mesma.
Espero que você aprecie,
O texto foi retirado de: http://www.yoga.pro.br/artigos/1096/3019/a-vitoria-sobre-a-morte-pelo-yoga e foi escrita por Diogo Ralston Fonseca.
A Vitória Sobre a Morte Pelo Yoga
"O Ser está além de nome e de forma, além dos sentidos.
Sem início, nem fim, estando mais além do tempo,
do espaço e da causalidade, ele é eterno e imutável.
Aquele que percebe o Ser livra-se das garras da morte".
Nesta passagem da Katha Upanishad está o real sentido do Yoga: a busca pela imortalidade. Este é um tema recorrente tanto nesta mesma upanishad quanto em outros shastras. É um ponto digno de discussão não apenas para examinar sua profundidade metafórica, mas também por compreender as mais notórias definições do Yoga e seu verdadeiro propósito.
Dentre estas, talvez a mais conhecida esteja no início do primeiro
capítulo dos sutras de Patanjali - o Yoga como o bloqueio (a
desidentificação) dos padrões mentais, para que assim o observador
resida em sua verdadeira natureza. Este observador (drastuh) é o próprio
Ser, e percebendo sua própria natureza identifica-se consigo mesmo.
Como a passagem da Katha Upanishad menciona, isto é processo perceptivo - vem de um “dar-se conta” e não o resultado de uma ação. No entanto, o Yoga é chamado comumente de uma prática. Pode a prática do Yoga levar a esta realização? Ela ajuda no direcionamento da atenção para esta realidade e desvia a atenção das aflições mentais, e como resultado, estas mesmas perdem sua força.
Estas aflições são descritas minuciosamente também nos aforismos de Patañjali, e nos ajudam a entender qual a relação que as escrituras fazem com o Yoga e a questão da mortalidade humana. A partir do terceiro sutra do segundo capítulo do Yoga Sutra são descritas, na visão do Yoga, as raízes de todo o sofrimento humano na forma de pañchaklesha, as cinco dores. O fascinante desta explanação e o que faz do texto um valioso tratado de psicologia é sua relação lógica e interdependente destas dores.
A primeira dor é avidya, a ignorância quanto à ilimitada natureza do Ser, que ressalta a aparência da separatividade entre sujeito e objeto. Partindo desta ignorância, o sujeito em um processo óbvio assenta sua identidade no complexo psico-físico e sua natureza inconstante, o que é chamado asmita e é a segunda aflição.
Nasce daí um falso e superficial senso de self, composto de relacionamentos com objetos avaliados como prazerosos ou dolorosos. Como um código binário em enormes blocos, é destas constatações de apego e aversão, rága e dveshá, que é composta a interface deste “falso eu”. Isto faz um sentido intuitivo quando pensamos em como é difícil definir nossa própria personalidade sem mencionar tudo o que gostamos e desgostamos.
Com a identificação com o complexo psico-físico e suas limitações e mutabilidades, há uma grande ansiedade pela sustentabilidade deste veículo que, agravada por sua dependência dos objetos de prazer e a receio diante da perda destes objetos, causa constante agitação mental.
Diante deste cenário culmina a descrição das aflições humanas com o que é normalmente é traduzido como "desejo por continuidade". Isto é chamado abhinivesah. É o medo da morte em que muitos autores ocidentais dizem ser a fonte de todos os temores humanos.
O medo da morte é, essencialmente, a ameaça do não-ser. Mesmo outros dos mais arraigados temores humanos, como a culpa, a condenação, e a insignificância, são também temores frente ao não-ser - neste caso, diante da auto-afirmação moral ou do propósito do homem. Mas é na morte que este se depara com a ameaça do não-ser em sua forma mais puramente existencial. A morte serve, assim, como a base e fonte para todos os demais temores.
O não-ser é difícil de ser concebido. Significa um vazio, uma ausência de sujeito e de sua suas relações objetais. Não é um objeto concreto a ser enfrentado, mas uma idéia tão abstrata que o próprio termo é uma negação: "não-ser". Existe apenas como conceito. Já a realidade do ser é indubitável - como alguns autores ocidentais já versaram, quando o sujeito questiona sua própria existência, ele ao mesmo tempo a evidencia - é necessário que haja um sujeito para seu questionamento tome lugar.
Dadas estas questões, a atitude humana perante a morte por definição deve ser muito mais de ansiedade que medo, pois o medo tem um objeto definido que pode ser enfrentado, analisado, atacado ou tolerado. A ansiedade não tem objeto - seu objeto é a negação de todo objeto. Lutar contra este "nada" é impossível e assim, quem está ansiedade, permanece no desamparo. Desta forma é fácil ver como nenhuma ação pode liberar-nos desta ansiedade.
É neste ponto que jaz não apenas a maior contribuição que o Yoga tem como solução para este impasse, mas justamente seu cerne. O Ser, descrito nas escrituras como Satyam, é existência eterna e imutável que tudo sustenta. Não há margens nesta realidade. A concepção do não-ser e sua ansiedade decorrente, abhinivesah, só pode vir da ignorância e se desfalece através do conhecimento sobre o Ser, brahmavidya.
Esta infundada rede de aflições produz tamanha inquietude que impossibilita que o observador desvie sua atenção das modificações mentais para si próprio, como o Yoga é definido no Yoga Sutra. Cortada a ansiedade da finitude existencial em sua raiz pela foice do discernimento e auto-conhecimento, cortam-se também as demais ansiedades que dela se ramificam. Isto relaciona-se com outra definição do Yoga presente na Bhagavad Gita: “a ruptura de toda a relação com o sofrimento”.
Através desta verdadeira liberação, é possível melhorar de maneira significante e definitiva a qualidade de nossas vidas, e neste ambiente de paz, haver as condições apropriadas para que o melhor no ser humano floresça. Isto, na linguagem dos shastras, é vencer a morte. Apenas o conhecimento pode trazer a vitória sobre este sofrimento, pois ele é intrínseco à ignorância - no entanto, é para esta percepção que devem estar orientadas nossas práticas.
Espero que você aprecie,
O texto foi retirado de: http://www.yoga.pro.br/artigos/1096/3019/a-vitoria-sobre-a-morte-pelo-yoga e foi escrita por Diogo Ralston Fonseca.
A Vitória Sobre a Morte Pelo Yoga
"O Ser está além de nome e de forma, além dos sentidos.
Sem início, nem fim, estando mais além do tempo,
do espaço e da causalidade, ele é eterno e imutável.
Aquele que percebe o Ser livra-se das garras da morte".
Nesta passagem da Katha Upanishad está o real sentido do Yoga: a busca pela imortalidade. Este é um tema recorrente tanto nesta mesma upanishad quanto em outros shastras. É um ponto digno de discussão não apenas para examinar sua profundidade metafórica, mas também por compreender as mais notórias definições do Yoga e seu verdadeiro propósito.
Como a passagem da Katha Upanishad menciona, isto é processo perceptivo - vem de um “dar-se conta” e não o resultado de uma ação. No entanto, o Yoga é chamado comumente de uma prática. Pode a prática do Yoga levar a esta realização? Ela ajuda no direcionamento da atenção para esta realidade e desvia a atenção das aflições mentais, e como resultado, estas mesmas perdem sua força.
Estas aflições são descritas minuciosamente também nos aforismos de Patañjali, e nos ajudam a entender qual a relação que as escrituras fazem com o Yoga e a questão da mortalidade humana. A partir do terceiro sutra do segundo capítulo do Yoga Sutra são descritas, na visão do Yoga, as raízes de todo o sofrimento humano na forma de pañchaklesha, as cinco dores. O fascinante desta explanação e o que faz do texto um valioso tratado de psicologia é sua relação lógica e interdependente destas dores.
A primeira dor é avidya, a ignorância quanto à ilimitada natureza do Ser, que ressalta a aparência da separatividade entre sujeito e objeto. Partindo desta ignorância, o sujeito em um processo óbvio assenta sua identidade no complexo psico-físico e sua natureza inconstante, o que é chamado asmita e é a segunda aflição.
Nasce daí um falso e superficial senso de self, composto de relacionamentos com objetos avaliados como prazerosos ou dolorosos. Como um código binário em enormes blocos, é destas constatações de apego e aversão, rága e dveshá, que é composta a interface deste “falso eu”. Isto faz um sentido intuitivo quando pensamos em como é difícil definir nossa própria personalidade sem mencionar tudo o que gostamos e desgostamos.
Com a identificação com o complexo psico-físico e suas limitações e mutabilidades, há uma grande ansiedade pela sustentabilidade deste veículo que, agravada por sua dependência dos objetos de prazer e a receio diante da perda destes objetos, causa constante agitação mental.
Diante deste cenário culmina a descrição das aflições humanas com o que é normalmente é traduzido como "desejo por continuidade". Isto é chamado abhinivesah. É o medo da morte em que muitos autores ocidentais dizem ser a fonte de todos os temores humanos.
O medo da morte é, essencialmente, a ameaça do não-ser. Mesmo outros dos mais arraigados temores humanos, como a culpa, a condenação, e a insignificância, são também temores frente ao não-ser - neste caso, diante da auto-afirmação moral ou do propósito do homem. Mas é na morte que este se depara com a ameaça do não-ser em sua forma mais puramente existencial. A morte serve, assim, como a base e fonte para todos os demais temores.
O não-ser é difícil de ser concebido. Significa um vazio, uma ausência de sujeito e de sua suas relações objetais. Não é um objeto concreto a ser enfrentado, mas uma idéia tão abstrata que o próprio termo é uma negação: "não-ser". Existe apenas como conceito. Já a realidade do ser é indubitável - como alguns autores ocidentais já versaram, quando o sujeito questiona sua própria existência, ele ao mesmo tempo a evidencia - é necessário que haja um sujeito para seu questionamento tome lugar.
Dadas estas questões, a atitude humana perante a morte por definição deve ser muito mais de ansiedade que medo, pois o medo tem um objeto definido que pode ser enfrentado, analisado, atacado ou tolerado. A ansiedade não tem objeto - seu objeto é a negação de todo objeto. Lutar contra este "nada" é impossível e assim, quem está ansiedade, permanece no desamparo. Desta forma é fácil ver como nenhuma ação pode liberar-nos desta ansiedade.
É neste ponto que jaz não apenas a maior contribuição que o Yoga tem como solução para este impasse, mas justamente seu cerne. O Ser, descrito nas escrituras como Satyam, é existência eterna e imutável que tudo sustenta. Não há margens nesta realidade. A concepção do não-ser e sua ansiedade decorrente, abhinivesah, só pode vir da ignorância e se desfalece através do conhecimento sobre o Ser, brahmavidya.
Esta infundada rede de aflições produz tamanha inquietude que impossibilita que o observador desvie sua atenção das modificações mentais para si próprio, como o Yoga é definido no Yoga Sutra. Cortada a ansiedade da finitude existencial em sua raiz pela foice do discernimento e auto-conhecimento, cortam-se também as demais ansiedades que dela se ramificam. Isto relaciona-se com outra definição do Yoga presente na Bhagavad Gita: “a ruptura de toda a relação com o sofrimento”.
Através desta verdadeira liberação, é possível melhorar de maneira significante e definitiva a qualidade de nossas vidas, e neste ambiente de paz, haver as condições apropriadas para que o melhor no ser humano floresça. Isto, na linguagem dos shastras, é vencer a morte. Apenas o conhecimento pode trazer a vitória sobre este sofrimento, pois ele é intrínseco à ignorância - no entanto, é para esta percepção que devem estar orientadas nossas práticas.
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